Prefeitura altera “Programa Hora Certa” de alimentação escolar e gera dúvidas na sociedade

Prefeitura altera “Programa Hora Certa” de alimentação escolar e gera dúvidas na sociedade

Webmaster 22/02/2013 - 21:29
Após diversas solicitações recebidas via email pela redação do Descalvado Agora, bem como após as críticas feitas na Câmara Municipal na última sessão de segunda-feira (18), nossa equipe de jornalismo entrou em contato com a Prefeitura Municipal, por intermédio da Secretaria de Educação e Cultura, com o objetivo de colhermos informações sobre o Programa Hora Certa de alimentação escolar.

De acordo com o Secretário de Educação e Cultura, Professor Hélcio Machado o cronograma de alimentação do programa criado pelo Governo Panone foi alterado para melhor atender as necessidades nutricionais dos alunos da rede básica de educação. Hélcio disse a nossa reportagem que não houve nenhuma suspensão da alimentação escolar, o que houve foi uma melhor adequação dos horários das alimentações. O Secretário nos disse também que no passado, os alunos vinham para a escola e logo na entrada eram alimentados com um lanche e um suco, ou leite, posteriormente no intervalo da aula (recreio) os alunos recebiam novamente um lanche, que consistia em biscoitos, bolachas ou barra de cereal, acrescido de uma fruta da estação ou um suco e antes de sua saída da escola os alunos da rede se alimentavam com uma refeição completa.

A partir de agora apenas a ordem das refeições se alteraram, pois a refeição completa que era servida aos alunos antes da saída da escola passou a ser feita no intervalo da aula, ou seja, no recreio. Ele salienta ainda que todos os alunos continuam recebendo um lanche com suco ou leite na entrada da aula, e antes da saída da escola os alunos são alimentados também com um lanche ou uma fruta da época.

Ainda de acordo com o Secretário o que o motivou a fazer essa mudança na forma de fornecer a alimentação escolar aos alunos, embasado em uma pesquisa feita junto aos professores, foi a preocupação com a latência existente entre a saída do aluno de sua casa e a refeição completa, que ocorria pouco antes do aluno sair da escola. Ele usa como exemplo os alunos da zona rural, afirmando que diversos alunos saem de casa ainda de madrugada, e da forma como estava sendo feito, esses alunos se alimentavam com uma refeição completa apenas na saída da escola, porém da forma como esta sendo feita a partir de agora, o aluno se alimenta, com uma merenda completa, no intervalo da aula, colocando assim a refeição completa no meio do período que o aluno permanece na escola.

O Secretário diz ainda que há de se lembrar que a escola é um local de aprendizagem e não de assistencialismo, por isso todas as ações serão tomadas pensando primeiramente na qualidade da educação pedagógica.

Veja abaixo, na íntegra, o email enviado pelo Secretário de Educação a todos os veículos de comunicação:

ESCLARECIMENTOS SOBRE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR
Tendo atuado durante mais de 25 ANOS na Prefeitura Municipal de Descalvado, a partir de 1986 no esporte e de 1989 na área da educação tive a oportunidade de acompanhar todos os programas de alimentação escolar oferecidos e voltados à rede municipal. Em conseqüência, preparei o texto que não se atém a sustentar posições em referências bibliográficas, mas em afirmá-las como produto de trabalho, interlocução e experiência, propondo pensar a alimentação Escolar diante das transformações e destacar o lugar da educação como dispositivo da escola para o agenciamento de modos de vida, socialidade, singularidade e solidariedade.

A merenda escolar, no Brasil, foi instituída em 31 de março de 1955 e tinha por objetivo influir na redução do fracasso escolar, na melhoria da saúde dos escolares e pré-escolares, na melhoria dos hábitos alimentares da criança e, por decorrência, da sua família.
Colocada dentro da política educacional do País, a "merenda escolar" se apresentava como estratégia política de socorro à escola (fixar o aluno e melhorar-lhe os níveis de freqüência, aprovação e promoção escolar) e à criança (atacando o problema da fome e/ou desnutrição).

O que localizava a alimentação na escola como merenda, dentro da programação de suplementação alimentar, era o fato de estar destinada às crianças matriculadas na rede oficial de ensino de 1º grau e por atender a 15% das necessidades nutricionais diárias da criança escolar (porção equivalente à metade de uma refeição?).

Duas questões, nutrição e aprendizagem, foram destacadas na programação nacional de merenda escolar e a alternativa da escola no enfrentamento da fome. Por isso, é fundamental uma rápida explanação sobre estes dois pontos para em seguida pensarmos no fato pedagógico que se põe à merenda escolar.

Nutrição x Aprendizagem
A desnutrição e o desenvolvimento cognitivo foi bastante estudado nos últimos anos, e hoje é possível afirmar que a desnutrição não é causa significativa de fracasso escolar. Os prejuízos da desnutrição, extremamente graves, se expressam mais profundamente no período pré-natal, primeiro semestre de vida e até os dois primeiros anos de idade.

Hoje temos índices de 10% a 15% de crianças com sinais de desnutrição atual ou pregressa, na maioria dos levantamentos nutricionais realizados em escolas públicas em nosso país, contra o índice médio de 50% de fracasso escolar, o que não nos permite pensar em associação direta das crianças diante de taxas de fracasso escolar do total da população escolarizada.

O programa de merenda escolar responsável pelo alcance de 15% das necessidades protéico-calóricas da criança não alterou o fracasso escolar nos seus quase 60 anos de existência.
Pesquisas demonstram a influência da alimentação no rendimento escolar, que as crianças que receberam alimentação no início das aulas e na hora do recreio tiveram uma repercussão positiva sobre seu aproveitamento escolar, embora não houvesse ocorrido melhora do seu estado nutricional (Collares 1982).

Constatou-se que a fome, e não a desnutrição, tenha tido influência sobre o aproveitamento escolar. Passada a sensação de fome, cessam seus efeitos de interferência na disponibilidade neuropsicológica para a aprendizagem.

Escola x Fome
A escola como local alternativo para combater o problema da fome só pode se colocar junto com a reivindicação de preservação de sua função pedagógica diante das aprendizagens da criança. Se a nossa escola pública assumir o papel de alimentar a criança, não importando a qualidade da ação pedagógica, estará sendo substituída uma deficiência por outra, preservada a exclusão social. Apenas estaremos substituindo a falta de alimentação pela falta de ensino-aprendizagem.

É grande o número de alunos na nossa realidade escolar, principalmente os de zona rural que deixam suas casas na madrugada para estudar no período da manhã como os que a deixam para estudar à tarde, chegam em jejum e tem na escola a oportunidade de realizar suas refeições diárias, nem por isso a escola deverá consolidar-se como local de refeições em prejuízo ao processo ensino e aprendizagem.

A frequência desse aluno à escola não pode se apegar ao acolhimento de suas necessidades biológicas, precisa estar afeta ao acolhimento de suas necessidades de cidadania, necessidades pedagógicas próprias à escola, enquanto função social e à produção de processos individuais, coletivos e institucionais.

A nossa escola pública não pode responsabilizar-se pela recuperação e tratamento da desnutrição, para isso teria que se transformar em unidade de saúde, realizando atividades de controle de peso e altura, fazendo a inspeção regular dos sistemas fisiológicos, controle de ingestão e das eliminações, controle dos sinais vitais, etc, assumindo o aporte nutricional de todos os nossos alunos (100% das necessidades protéico-calóricas diárias). Deve sim oferecer condições e não deixar de medir esforços em atender as necessidades do alunado.
A alimentação escolar, segundo a lei, vem para cobrir 15% das necessidades nutricionais dos educandos, a SEEC está procurando oferecer uma alimentação de qualidade para atender índices acima do proposto pela legislação, porém não pode deixar de ter a atenção voltada às necessidades de aprendizagens dos escolares, pois se a atividade pedagógica não for a prioridade da escola será a prova de que a escola tornou-se dispensável.

Ao privilegiar a alimentação em seu aspecto biológico, desqualificando seu conteúdo educacional, a escola renega sua função pedagógica de criação de sentidos, de estabelecimento de desafios à consciência e à apropriação do social como reconhecimento dos direitos de cidadania e de ampliação desses direitos pela transformação das condições de miséria. O que transforma o social não é o reconhecimento da condição de miséria, mas as ações construtivas de um sentimento coletivo de direitos sociais.

Se a falta de alimentos leva as disponibilidades biológicas às sensações da fome, temos que combater a eliminação da fome e ultrapassar o biológico para chegarmos ao pedagógico, ação esta que possibilita ao educando oportunidade de realizar-se naquilo que o diferencia do resto dos seres vivos, isto é, realizar-se na cultura, no trabalho, na criação e na ação política.

Pedagógico x Alimentação Escolar
Podemos afirmar que a alimentação na escola pública melhora o rendimento escolar diante da chamada "fome do dia", mas não resolve a condição de desnutrição, e conhecendo os efeitos das sensações da fome, tanto sobre a disponibilidade escolar quanto sobre o sentimento de cidadania, cabe à escola oferecer uma merenda de qualidade, nutricionalmente adequada e em forma de refeição coletiva, especialmente na chegada da criança à escola, no recreio entre as aulas e ao final do período na saída, para captar o máximo incentivo da criança aos desafios de uma resposta intelectual aos problemas pedagógicos.

Alimentando-se na chegada, o aluno entra em aula sem estar sentindo fome e pode manter-se livre de seus efeitos durante aquele período. O destaque a que esta alimentação seja nutricionalmente adequada e em forma de uma refeição coletiva é porque o caráter pedagógico da merenda se alicerça nas relações do servir e do comer, na escolha de quais alimentos são oferecidos e com que apresentação, na forma como foram preparados, na forma como é compartilhado o tempo à mesa.

Quando se fala do pedagógico à mesa, logo nos vem o ensino das regras de etiqueta ou a tradicional educação nutricional de adestramento e modificação de hábitos alimentares, um padrão crítico repetitivo: prescrição de uma atuação transformadora da realidade. O pedagógico não é isto, é o universo simbólico e expressivo que preenche esse momento e o organiza.

A constituição de cidadania que reivindicamos está na produtividade de instâncias individuais, coletivas e institucionais sobre a subjetividade dos cidadãos; por isso, de um lado, o universo simbólico e seu poder de sobre codificar a subjetividade devem ser tomados enquanto rigor ético nas relações de aprendizagem e, de outro lado, todos os anúncios expressivos devem ser apreendidos para dar guarida e possibilidade às estéticas de vida que se engendram através de nós.

O apelo pedagógico da merenda escolar resulta da indignação com a forma de tratar os escolares como se fossem "massa-dos-que-não-têm-o-que-comer" e do dever ético de transformá-la num ato educativo da cidadania (portanto, não ato educativo de comportamentos, tampouco para a cidadania).

A merenda escolar, para que seja fato pedagógico na escola pública brasileira, requer des-envolver novos olhares e escutas para captar os sentidos e as necessidades que estão por detrás da discursividade, a intersecção do plano dos processos sociais e do plano da subjetividade.

Há uma dimensão concreta: a fome biológica, a falta de alimentos em casa, a sensação de fome durante o período escolar e a necessidade de aporte calórico para a atenção em sala de aula e energia na recreação.

Há uma dimensão simbólica: a alimentação escolar é um espaço coletivo de prazer, nutrição e aproximação, de construção cultural e convivencial. Há uma dimensão vivencial: a merenda coletiva revela traços de expressão e fragmentos de conteúdo das relações e convivência, elementos de enunciação da asteuridade, expansão de simpatias, reinvenção do coletivo, que pode ou deve ser trabalhado como função pedagógica.

Para que a merenda represente um fato pedagógico, embasada no reconhecimento dos direitos de cidadania e não no assistencialismo, que não reconhece a necessidade de transformação e mobilização da sociedade, deverá fazer-se acompanhar de uma política educacional sofisticada. Portanto ela não é a portadora da função de existência da escola e não é verdadeira a afirmação que o aluno vai à escola por causa da merenda.

É fundamental o respeito aos hábitos alimentares dos alunos, buscando a ampliação desses hábitos através da inclusão de alimentos diversificados, que se possa comer à mesa, servindo-se, na companhia dos professores e colegas, com acesso a pratos, talheres e copos adequados.

Na minha própria observação os sistemas de Buffet / Self-service, onde o alimento fica disposto em balcão térmico, dividido em cubas, para que cada aluno sirva seu prato e escolha seu lugar à mesa, possibilita aprendizagens de comportamento à mesa, cuidados com o refeitório e auxílio ao pessoal da cozinha, de fato, com a ambiência pedagógica desejada e com vistas às relações sociais e éticas da cidadania e instituem um cenário livre para atuações e atualizações das diversas modalidades de comportamento como posturas e atitudes diante do coletivo.

A discussão da alimentação escolar com esta profundidade parece contribuir à própria ressignificação das práticas pedagógicas da escola toda e não me parece que disto se possa fugir.

A alimentação escolar como política pública precisa dar visibilidade a razões, pressupostos e valores que a organizam como serviço de alimentação junto às secretarias de educação e nas escolas. Ao contrário de inviabilizar a merenda nos serviços de apoio e infraestrutura, recolocá-la no rol das assessorias às relações de aprendizagem da pedagogia e da didática, reconhecendo seu valor no universo de agente da aprendizagem e não do assistencialismo.
Em situações de disponibilidade alimentar junto da família, mas em face de carência quantitativa, podemos pensar na alimentação escolar caracterizada por refeições rápidas e nutritivas no início e no fim das aulas e uma alimentação mais sólida no intervalo das aulas.

Essa é a proposta da SEEC. A merenda trazida de casa ou comprada na escola é que deve ser substituída, no ideário comum, pela gostosa merenda servida pela nossa escola pública.
Pergunto se a merenda virará o século junto com a escola, porque acho fundamental marcar, antes de finalizar este texto, que não estamos falando de merenda ou de escola como funções estáticas às quais caiba apenas pensar qualidade. Não é isso. É mesmo quais concepções organizam essas práticas. Aqui propomos a merenda escolar como espaço analógico do "novo coletivo".

Na educação, a emergência do espaço cibernético tem implicações, por conseguinte, tanto na construção do saber, quanto na construção de coletivos e das relações de cidadania. A merenda escolar, como agenciamento pedagógico da cidadania, também precisa reconhecer que uma nova "pólis" vem nascendo, a ensinar sobre um coletivo com múltiplas especificidades. Aprender com e sobre um coletivo com múltiplas especificidades é aprender como organizá-lo como um "organizando", isto é, sem regulamentos antecedentes aos quais se deva ser resignado e nem a idealização a ser palmilhada obstinadamente, apenas um fazer-desfazer-fazer-se com o desejo de proximidade, interação e afeto.

Talvez devamos perceber que a alimentação escolar tem seu valor contributivo da constituição de coletivos capazes de entrar em interação rápida, parceira, sofisticada e colaborativa, em que o professor muito mais que transmitir saberes, transmite modos de aprender.

Não me parece que a questão da merenda escolar possa ter regra igual para todos, muito menos em qualquer dos níveis educacionais, exceto a regra de que a sua justificativa de existência e modelos de expressão sejam públicos e notórios, enfocando, sempre, a ampliação da compreensão de cidadania e dos direitos sociais.

A situação de pobreza das crianças e adolescentes brasileiros vai continuar obrigando a existência de programas de alimentação escolar em todas as escolas públicas. Todavia, o tema da cidadania transversalizando as políticas sociais, especialmente as de educação, saúde e assistência social, recoloca os papéis dos diferentes agentes políticos que concorrem na ação do poder público para atender as demandas populares por políticas públicas de maneira transparente e afirmadora da qualidade de vida.

É importante abandonar-se as metas assistencialistas, eleitoreiras ou oportunistas da alimentação escolar, como também abandonar suas metas prescritivas. Pelo que aprendi, a alimentação escolar, deve ser entendida como necessidade de uma política pública de forma universal e voltada às necessidades e realidades dos educandos, mas também às necessidades pedagógicas para o sucesso do processo ensino aprendizagem, voltadas às sensações de saúde como plena expressão de afirmar a vida e potencializar a democracia.

Posso dizer, então, para finalizar, que a alimentação escolar através do perfil institucional deve deixar de atender principalmente ao assistencialismo e as demandas populares, deve ocupar seu espaço pedagógico na escola e voltar-se ao incremento das responsabilidades educacionais diante da afirmação de formarmos uma sociedade de indivíduos para exercer a cidadania, ativos e criativos. Para isso contamos com a colaboração, compromisso e empenho de nossos educadores.

NOSSA LUTA SERÁ POR QUALIDADE.

Descalvado, 19 de Fevereiro de 2013
Helcio Machado Junior
Secretário Municipal
SEEC - Descalvado


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